terça-feira, 30 de junho de 2015

Resenha: Reescrevendo Sonhos



Estreando a categoria Resenhas do blog, trago hoje um dos meus livros preferidos da literatura brasileira contemporânea, Reescrevendo Sonhos, da autora Marcia Dantas.
Reescrevendo Sonhos conta a história de Luciana, uma escritora em tempos ruins devido à uma tragédia, e que encontrou fuga do bloqueio criativo no rosto de uma mulher que aparecia somente em seus sonhos, como uma espécie de salvação, luz – ou algo do tipo. 

E essa mulher parece ser o impulso necessário que Luciana precisava para começar escrever uma nova obra depois de tudo que aconteceu. Só que há um problema: a ausência de explicações quanto à origem dessa moça em seus sonhos não permite que a história tenha um desfecho adequado. É aí que ela conhece Bárbara, uma pessoa enviada pela editora, para ajudá-la nesse empecilho, já que a editora quer lançar o livro a qualquer custo. O que Luciana não esperava era que Bárbara tivesse uma assombrosa semelhança com a moça do sonho.
Embora eu discorde veemente sobre a existência de histórias totalmente originais, Reescrevendo Sonhos me faz questionar sobre essas certezas. É intrigante, e foge muito daquele drama barato que nós estamos acostumados a ver, seja na televisão, seja nos livros. Não é batido, tampouco previsível. Destaca-se entre a enorme pilha de histórias sobre o casamento quase sempre desastroso entre sonhos e realidade.
Pensando na trama como uma receita, podemos ver ainda mais a maestria singular e simples que Marcia teve a ousadia de mostrar. Como ingredientes, temos o Doutor Jonas, uma espécie de farol que guia a personagem principal, Luciana; Bárbara, a funcionária da editora, que além de servir como interesse amoroso, é uma forte referência para amizade. E, por último, mas não menos importante, Beto, que, embora apareça pouquíssimas vezes, é muito mais que um obstáculo para o relacionamento de Luciana para com Bárbara. Ele se torna o símbolo da gentileza e da frase “se a ame, deixe-a ir”, mas sem cair no clichê, e na previsibilidade ruim.
Ainda na mesma analogia, sabemos que os ingredientes em si não são o bastante. E os personagens por si só também não. A forma que Marcia trata cada um deles durante a trama é gentil e cortês. Ela simplesmente deixa eles serem quem são, e não é possível perceber tentativa de controle total sobre a história. Tudo parece escrever-se sozinho. É humanizado, naturalizado. É real. Marcia nos mostra que não precisamos de estereótipos para conquistar leitores, muito menos desnaturalizar as personagens, porque, assim como nós, elas são pessoas – de verdade.
E é isso que me intriga. A questão da história em si, e de como ela é contada. A trama crua e nua facilmente pende para o lado previsível e chato. Aquela coisa que nós estamos cansados de ver. A historinha de uma pessoa que é guiada pelo terapeuta na trama inteira. Todavia, não é dessa forma que estamos propensos enxergar este livro. Graças à autora. Ela resgata a ideia propensa à chatice, e nos conta, por duzentas e treze páginas, que as coisas não aconteceram da forma que estamos pensando – de maneira morna e chata.
Utilizando dos adjetivos certos, e insubstituíveis, ela traça um caminho despretensioso até nossos corações, e quando menos esperamos, estamos conquistados – imagino que deve ser este o segredo, motivo, pelo qual não conseguimos parar de ler depois da página vinte. E nos mostra que os fatos ali apresentados aconteceram da forma mais real que possa existir. Nos faz esquecer que se trata de uma ficção, e por vezes é possível flagramos, tratando as personagens como realmente são: pessoas.
Mas, não obstante, ela abusa bastante de flashbacks. Achei muito bem trabalho, inclusive a alternância, em dado momento, entre realidade e passado. Sabe aquele momento nos filmes em a personagem vai contar o que aconteceu, mas para que haja mais emoção, é utilizado cenas dos fatos e não a da narração deles? Então, é basicamente isso que acontece.
Outro fator importante é a ambientação. Ela não abriga somente as personagens, mas ao leitor também. Me senti dentro de cada cômodo, cada lugar sem muitos esforços. Mas isso não implica dizer que uma narração exata de cada âmbito. Não, não e não. E diretamente esse o segredo não só para uma leitura corrente, mas também para imaginarmos, sem sentir, tudo a nosso gosto. É importante que o autor dê espaço para a imaginação do leitor – por dois motivos: 1) ficaria uma leitura cansativa e chata; 2) a mente de quem lê precisa trabalhar, a graça de escrever é a subjetividade bem temperada; um livro nunca é visto da mesma forma por pessoas. Nem mesmo quando você o lê novamente.
Sobre pontos irritantes, sim, encontramos alguns pelo caminho. Porém necessários. Não são irritantes por simplesmente serem parte de uma enrolação, ou a preparação em demasia para um grande drama. Longe disso. Os pontos irritantes servem para mostrar que nós, leitores, torcemos para que as coisas deem certo, mas que nem sempre assim acontecerá. Eles servem, sobretudo, para nos lembrar que a história só é ficção, porque não se baseia com todos os pormenores numa ocasião real.
Portanto, meus amigos, Reescrevendo Sonhos é mais que um livro, e sim uma jornada. Do sufoco quase interminável à luz no fim do túnel; dos erros que parecem incorrigíveis ao prestígio do acerto. Da trama nua e crua previsível às curvas inesperadas e sentimentos descontrolados. Do descompasso de uma vida ao compasso de outra. Definitivamente, é um livro para inspirar e sentir. Um ótimo exemplo de literatura representativa.
Segue uma curta entrevista com a autora, Marcia Dantas.
Ana: Dizem que as personagens têm um pouco de seus autores. No caso de Reescrevendo Sonhos, quais delas possuem um pouco de você? E por quê?
Marcia: Eu meio que me dividi entre as duas (risos). Luciana ganhou minha mente fértil, enquanto Bárbara virou a maníaca por controle. Nem sei porque, talvez uma questão de o nosso eu ser uma parte do processo de criação dos personagens, especialmente quando é nosso primeiro livro.
Ana: Entendo, acontece comigo também (risos). Durante a trama, percebemos a existência de cenas com cargas emocionais pesadas, tanto para a personagem Luciana quanto para o leitor. Existe alguma espécie de ritual para escrever essas cenas? E se sim, conte um pouco dela.
Marcia: Eu não diria exatamente um ritual. Na verdade, no meu louco processo de escrita, essas são as cenas que vem primeiro na mente e eu construo tudo para chegar nelas. Inclusive geralmente eu consigo achar alguma música que tenha a essência daquela cena e eu escuto ela em repeat até completá-la na minha mente (risos).

Bate-bola, jogo rápido (sobre o livro):
Uma frase: Mas a esperança a achou do mesmo jeito, sem que Luciana a esperasse."
Uma cena: Eu gosto muito da sequência em que a Luciana confia na Bárbara a ponto de pedir que ela venha ao apartamento e fique com ela naquele momento tão difícil de crise. Desde o momento em que ela se abre até aquela cena no quarto e o café-da-manhã no dia seguinte. Foi uma das primeiras que escrevi e ela já me dava uma prévia de como seria a relação delas, então tudo de como a amizade delas cresceu foi baseado nessas cenas, que me deram o norte de como seria.
Uma personagem: Bárbara, definitivamente Bárbara. Ela cresce no livro do mesmo jeito que cresceu enquanto eu a escrevia. Luciana é a protagonista, mas Bárbara é aquela que admiro profundamente.
Uma música que resume a trama, ou chegue perto disso: Estou inclinada a dizer Feeling Good da diva Nina Simone, por ser o estilo e a cantora favorita da Babi. E por ela ser o símbolo de um recomeço, que foi uma jornada para Babi e Luciana.
Finalizando... próximos trabalhos: Bom, estou participando de duas antologias, uma organizada pelo Davi Paiva, e outra por mim. Também está pra sair a antologia Maravilhosas Distopias, com um conto meu. Todas essas três sairão pela Darda Editora. Também passei no Desafio Scribe sobre LGBTfobia e estou esperando que eles me digam como funcionará a publicação deles. Esse ano ainda sai a segunda edição de Reescrevendo Sonhos, com melhorias significativas. E mês que vem começo a trabalhar no livro Flores Frescas, baseado em um conto homônimo meu e em duas músicas de uma banda chamada Halestorm: I’m not an Angel e Familiar Taste of Poison. Meu projeto mais caro no momento.

Para acompanhar Marcia Dantas e seus feitos, incluvise a segunda edição de Reescrevendo Sonhos, curta Escritos de Marcia Dantas no Facebook!

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