segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Quebra de protocolo


Leia ao som de:

Você me olha no mais fundo que pode olhar: dentro dos meus olhos, a tão famosa janela da alma. E diz:
― Eu quero fazer dar certo.
Você fala como se fosse uma verdade absoluta. Como se estivesse escrito em algum lugar que o que você quer fazer é absolutamente certo, e ninguém pode lhe questionar. Por um momento, acredito que essa talvez seja a maior verdade da sua vida, e que você andou fazendo muita coisa errada. Só que nesse momento eu paro para me lembrar das coisas que você fez.

Você recuou quando se viu em perigo, e cruzou os braços como se fosse lhe proteger. Você disse não, porque não poderia oferecer nada além disso. Você não teve a coragem, e foi covarde. Mas simplesmente porque não sabia se poderia fazer o que esperavam que você fizesse. Lhe colocaram num posto que não era seu, nem de longe. Ninguém lhe entendia, porque não eram você. Não haviam passado pelo mesmo que você – e isso é impossível, ainda que certas situações sejam semelhantes. Tudo o que poderiam fazer, não fizeram. Guardaram toda a empatia na gaveta, e desembainharam as palavras mais cortantes e acusadoras.
Então não se culpe se você fez o que precisou. Se você correu quando tudo o que poderia fazer era só correr. É aí que a gente acaba percebendo alguns pontos levemente traçados nas intersecções. Existe uma tênue diferença entre o que você pode fazer, e o que esperam que você faça. Antes que não consiga me entender do modo que seja preciso, eu explico: nem sempre as pessoas vão apontar o dedo pra você e dizer que esperam que você faça tal coisa. As coisas mais fortes da vida não são diretas. Não assim, como você está pensando. As pessoas esperam de você sem esperar. Somos programados para dizer coisas únicas em momentos únicos. Há todo um protocolo de comportamento, antes de tudo. E é assim que as pessoas vão esperar e querer isso de você.
Entretanto, o protocolo não abriga todas as atitudes que você pode tomar. A gente esquece que nada acontece da mesma forma com todo mundo. E aí, ignorando isso, a gente vai lá e recebe um tapa na cara e um afago. Você fez o certo, mas errou consigo mesmo. Decepcionou a si mesmo tantas vezes quanto pôde. As pessoas colocam a mão no seu ombro e lhe chamam de corajoso, porque elas acham que é tudo o que você precisa ouvir. Elas não passam pelo que você passa, e, por via das dúvidas, fazem um encorajamento falso. É algo positivo, de qualquer maneira. Não é como se você fosse agredido verbalmente. É um elogio? É. Falso? Também. Mas antes de tudo é um elogio, e o protocolo diz que devemos ficar felizes com elogios. Mesmo que eles venham de pessoas que não tenham ideia do que estejam falando. Vai ver que elas nem sabem o significado que seus elogios podem ter. Mas é um elogio, oras. E você devia ficar feliz com toda e qualquer migalha de sorriso que lhe ofereçam. A vida é tão dura, né?
Você não merece isso, não merece achar que merece menos. Deve encarar a realidade. Nem todos os encorajamentos são verdadeiros, nem todos são suficientes pra lhe deixar bem, com a sensação de que alguém valorizou seu esforço. Eu sei que é muita coisa ao mesmo tempo para se pensar. Mas ninguém mentiu pra você, dizendo que todos nós éramos personagens planos de algum ser divino.
E então você repete:
― Eu quero fazer dar certo.
Só que agora sabe que o conceito de certo é relativo. Sabe que as pessoas que lhe dizem o que você deveria fazer não vivem dentro de você, e não possuem o conhecimento total de tudo que você sente. Sabe que você é dono de si, e que deveria sentar consigo mesmo um dia e perguntar-se o que está fazendo com a própria vida. Que deveria se fechar para balanço uma vez por mês, e questionar tudo aquilo que lhe empurraram, ou o que você acabou empurrando para si mesmo.
Agora você sabe que conselhos são bem-vindos, mas que no final das contas deve pensar sozinho e reclamar o maior número possível de porquês da vida. Agora você sabe que sou apenas um reflexo seu, do espelho sujo do seu banheiro. Que tudo que eu disse é, na verdade, produto da sua mente; que minhas palavras são o “lixo” que você varre todos os dias para fundo da sua mente.
Agora você sabe o que importa, e onde está errando, e por que tudo está dando tão errado. Agora você sabe que pode, sim, fazer dar certo
     
                   


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